segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Carta à prezada Miss Brasil

Em cada esquina da cidade e em cada beco de favela e periferia deste país, há uma menina negra que precisa se sentir representada

POR 



Querida Raissa Santana
Na última semana li uma matéria em que você dizia que não representava a beleza negra, e sim a beleza da mulher, independentemente de cor e raça. Depois disso, resolvi então escrever esta carta para você, uma carta afetuosa, onde, na real, eu estou estendendo minha mão e dizendo, Raissa, que é perfeitamente compreensível que você não ache que representa a beleza negra, mas é importante também você saber que um monte de gente acha justamente o contrário.
Nos últimos dias, tenho visto lindas meninas negras postando sua foto com a palavra “representatividade”. Elas aplaudiram, fizeram textos e vídeos nas redes sociais.
Foi uma verdadeira festa, e tinha realmente que ser. Toda essa comemoração aconteceu, provavelmente, porque nos últimos 30 anos nenhuma dessas meninas e nem você viu uma negra ser eleita Miss Brasil.
É, Raissa, o Brasil é racista sim. Eu sei que é duro admitir isso quando não se pensa no assunto. O Brasil não nos faz pensar no racismo, e isso é tão grave que nos leva a acreditar que existe uma igualdade de raça, mesmo quando, por 30 anos seguidos, a vencedora desse concurso tenha sido sempre branca ou mestiça.
Eu confesso que não é confortável ler você dizendo que representa a mulher independentemente de cor e raça. Isso porque, no Brasil, a mulher branca só representa a mulher branca mesmo, assim como o homem branco só representa ele próprio.
Em cada esquina da cidade e em cada beco de favela e periferia deste país, há uma menina negra que precisa de representatividade. Elas usam os produtos de beleza, os consomem, mas não servem para representar as marcas em suas propagandas.
Sei que este discurso pode parecer antigo, e eu até gostaria que fosse, mas não é. Eu gostaria que, ano que vem, outra jovem negra ganhasse o concurso Miss Brasil; mas as estatísticas dizem que isso não vai acontecer. E mesmo, que acontecesse, para equilibrar essa conta precisaríamos que nos próximos 30 anos todas as vencedoras fossem negras. Será?
Essas meninas abraçaram você e sua vitória. Elas também querem o seu abraço, um abraço que desacorrenta nossos braços e nossa mente de tudo que dizem pra gente, e mentem.
Não ache que você está sozinha — Juliana, Dandara, Lellêzinha, Isadora, Tais, Léa, Ruth, Zezé... representam todas as mulheres negras, e agora você faz parte disso. Mesmo que ainda não saiba!
Fernando Barcelos é diretor de teatro e morador da Cidade de Deus


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/carta-prezada-miss-brasil-20402066#ixzz4QeKnZILs 
© 1996 - 2016. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização. 



Nenhum comentário:

Postar um comentário