Com novas regras, concursos de miss voltam a conquistar fãs
Envolvimento de candidatas em causas sociais é um dos requisitos
RIO — Foi-se o tempo em que “O Pequeno Príncipe” era a resposta de dez entre dez candidatas quando perguntadas sobre seu livro preferido. E que beleza, altura e medidas perfeitas eram suficiente para fazer de uma jovem uma das mulheres mais conhecidas do mundo. Foi-se, junto, a época em que os concursos de beleza eram os programas mais vistos na televisão brasileira. Mas, verdade seja dita, depois de um longo período de esquecimento, pelo menos por aqui eles voltaram a atrair a atenção, seja pelas recorrentes confusões (como esquecer da gafe do apresentador que anunciou a vencedora errada no Miss Universo do ano passado?), seja pelos investimentos no ramo (somente para sediar o Miss Mundo, um país precisa desembolsar US$ 7 milhões, sem contar gastos de estrutura, transporte, alimentação, hotéis e passeios), seja pelo avanço das redes sociais. Virou programa cult bacaninha de se assistir.
Tudo mudou desde o início dos principais concursos, na década de 1950. Antoine de Saint-Exupéry, por exemplo, foi substituído pela literatura de autoajuda de Augusto Cury, e beleza, agora, precisa ter conteúdo. Os antigos fãs podem ficar perdidos, mas é assim que funciona desde 2006: os dois principais eventos, o Miss Mundo e o Miss Universo, têm seleções independentes. Antes, a vencedora do Miss Brasil participava do Miss Universo, e a menina que ficava em segundo lugar ia para o Miss Mundo. Hoje, municípios e regiões realizam seleções separadas para cada um dos dois concursos. Miss Brasil escolhe sua candidata no próximo sábado e Miss Mundo Brasil já tem sua concorrente, a Miss Goiás Beatrice Foutoura, de 26 anos.
As regras também foram alteradas. No Miss Mundo Brasil, é obrigatório que as candidatas tenham um projeto social. No caso de Beatrice, ela ajuda uma instituição em Goiânia que cuida de deficientes físicos e mentais. Faz campanhas e propagandas. Há dois anos, o concurso também eliminou as provas de biquíni.
— A mulher não é um objeto. Não dá mais para as meninas ficarem desfilando só de biquíni, e um monte de gente analisando. O que o concurso quer é a valorização da beleza da mulher sem objetificá-la. Por isso, julgamos a beleza com propósito. As candidatas precisam apoiar causas sociais e usar a beleza, a simpatia e o carisma para isso. O concurso não é mais futilidade. A vencedora é aquela que apresenta um conjunto da obra — explica o diretor do Miss Mundo Brasil, Henrique Fontes.
Beatrice concorda com os novos requisitos. Ela, que estuda Direito e fez carreira de modelo em Milão e Nova York, acredita no concurso como uma forma de mostrar o que tem de melhor.
— Antes era muito vazio. As pessoas ainda acham que a gente só vai a festa. Não é verdade, a gente precisa ter expressão para as causas sociais. A mulher chama atenção pelo conteúdo, pelo valor que tem dentro. Não é só pela beleza, não — afirma ela, que, na contramão da maioria das meninas, não tem um livro de Augusto Cury na cabeceira, preferindo “A cidade do sol”, de Khaled Hosseini.
No Miss Brasil, que leva ao Miss Universo, há um novo regulamento desde o fim do ano passado. As candidatas também devem estar engajadas em questões do país e precisam ter opiniões embasadas sobre temas atuais. A altura mínima, que antes era de 1,73m, agora é de 1,68m. E apenas meninas solteiras e entre 18 e 27 anos podem participar.
— Miss não pode ter só beleza física, ela tem que influenciar pessoas pela beleza, tem que representar uma causa, ter opinião e responsabilidade em relação a todos os assuntos que envolvem uma pessoa pública — diz Karina Ades, diretora-geral do Miss Brasil. — Aproximamos o concurso do mundo da moda, das passarelas. O padrão não é mais aquele curvilíneo. Foi uma maneira de renovar a marca Miss, que estava desgastada e antiga.
Para a antropóloga e professora da UFRJ Mirian Goldenberg, os novos requisitos refletem os interesses das mulheres brasileiras. A autora do livro “O corpo como capital” afirma que, hoje, os desejos femininos giram em torno de liberdade e beleza. Ao mesmo tempo que querem independência, também buscam um corpo magro, jovem e sexualmente atraente.
— A mulher atual é contraditória nos seus desejos. Quer liberdade, este é um ponto que ela inveja nos homens, mas quer também beleza e corpo. Por isso que ela se projeta dessa maneira. A contradição e a tensão aumentam, porque a mulher não abre mão nem de uma coisa nem de outra. Até os anos 1960, os campos de possibilidades eram restritos. Hoje, ela tem muito mais escolhas. Ninguém é obrigada a ser mãe, esposa, dona de casa. Ela pode ser uma mulher bem-sucedida e querer investir seu tempo livre para ganhar um concurso de beleza. Existe essa possibilidade, ainda que muitas dessas escolhas sejam obrigações culturais. Mas a gente escolhe. Esta é uma característica das brasileiras. Também estudo as mulheres alemãs, e as prioridades delas são outras — explica Mirian, que entrevistou mais de cinco mil mulheres e homens para sua pesquisa.
Outro exemplo é o caso da única vencedora brasileira do Miss Mundo. Quando ganhou, em 1971, a carioca Lúcia Peterlee, hoje com 66 anos, cursava Medicina na Gama Filho. O evento, no entanto, não a impediu de continuar a carreira, embora durante e após o reinado ela tenha participado de desfiles e compromissos internacionais. Concluiu o curso em 1975 e atua como neuropediatra.
— Fui rainha das olimpíadas universitárias porque jogava vôlei pela faculdade. Achei interessante e resolvi entrar para os concursos de beleza. Queria também comprar um carro — lembra Lúcia. — Fui Miss Guanabara, ganhei o carro, depois fui para o Miss Mundo. Achava legal, queria mostrar o meu país para o mundo, representá-lo, divulgá-lo, mas também queria concluir meu curso. Sempre tive uma postura, nunca virei um objeto.
Para Henrique Fontes, que além da direção do evento pesquisa sobre a história dos concursos de beleza no Brasil, a internet e as redes sociais ajudaram a resgatar o interesse pelos concursos, que estavam em decadência desde o fim da ditadura militar (época em que eram largamente divulgados nas páginas dos jornais, impedidos de divulgar outros fatos). Isso pode ser percebido pelas muitas comunidades de concursos, pelo burburinho no Twitter e até pelos grupos de WhatsApp. A estudante de engenharia Clara da Costa, por exemplo, criou um grupo apenas para comentar os acontecimentos dos concursos com os amigos.
— Sempre gostei dos concursos, aí resolvi criar esse grupo para poder comentar. É sempre divertido, a gente elege quem foi melhor nas provas, quem é a mais simpática, o vestido mais maravilhoso... E quando a gente percebe que não dá para o Brasil, arruma uma candidata de outro país. Só não dá mais para torcer para a Venezuela, elas já levaram muitas coroas — brinca Clara.
De fato, os vestidos são assunto recorrente, tanto no mundo virtual quando no mundo real. Para não cair na boca do povo, Erika Duarte, estilista oficial do Miss Mundo, já está trabalhando para a disputa final. Serão dois vestidos, desenhados de acordo com o gosto e a personalidade de Beatrice. Um com pegada mais básica e sensual, decotado e com cauda, e o outro que promete causar, mais clássico, mas que mistura alta-costura com tecnologia.
— Tenho que fazer o vestido mais incrível, tem que ser impecável, porque ele tem uma projeção internacional, as pessoas comentam sobre. E ainda tem uma competição do melhor vestido. Vou fugir de muita pedra, de muito brilho, não quero que ela pareça uma Barbie, quero que ela seja uma mulher elegante. O primeiro vestido será mais reto e decotado, o segundo, do espetáculo, vai ter projeção em 3D — adianta Erika.
O grand finale está marcado para 18 de dezembro em Washington DC, nos Estados Unidos. Espera-se a participação de 125 países. Já o Miss Universo será no dia 30 de janeiro, nas Filipinas, e contará com 109 candidatas.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/ela/com-novas-regras-concursos-de-miss-voltam-conquistar-fas-20165980#ixzz4LM3g2fSE
© 1996 - 2016. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário