Donald Trump queria trazer o concurso Miss Universo para Macau
O homem que amanhã pode ser eleito o 45.º Presidente dos Estados Unidos já teve a ambição mais modesta, mas potencialmente mais lucrativa de ser um dos reis do jogo em Macau. E para o conseguir chegou a prometer que mudaria para Macau, a título definitivo, a organização do concurso Miss Universo.
Ricardo Pinto
Quando, em Dezembro de 2001, o governo de Macau anunciou a lista de candidatos à abertura do jogo a novos concessionários, a presença de Donald Trump entre os interessados não resultava óbvia. Da lista constavam os grandes casinos e empreendedores de Las Vegas – Steve Wynn, MGM, Mandalay Bay, Caeser’s Palace, Las Vegas Sands – mas também vários outros consórcios envolvendo operadores de jogo de outras origens (Grã-Bretanha, Mónaco, África do Sul, Malásia) e empresários de Macau e Hong Kong. Ao todo, 21 candidatos a apenas três concessões. Mas sem que houvesse qualquer referência a um investimento oriundo de Atlantic City, onde Trump tinha então concentrados todos os seus casinos.
No entanto, veio a saber-se pouco depois que Donald Trump, na qualidade de gestor do projecto, integrava a proposta apresentada pela Sociedade Baía da Nossa Senhora da Esperança, que tinha como principais investidores o empresário chinês radicado em Macau Sio Tak Hong, dono do Hotel Fortuna e administrador da Sociedade Nam Van, e os bilionários de Hong Kong Joseph Lau e Nina Wang, esta considerada então a mulher mais rica da Ásia.
A abertura da proposta perante a comissão do concurso internacional para a adjudicação das novas concessões foi efectuada a 18 de Dezembro, seguindo-se a primeira fase de consulta já a 3 de Janeiro de 2002. Documentos da época revelam que o consórcio a que Donald Trump estava ligado propunha-se, numa primeira fase, construir um hotel de 5 estrelas, com 2,200 quartos, bem como um Centro de Convenções e Exposições, centro comercial, estruturas de entretenimento e parque de estacionamento, num investimento estimado em 2,5 mil milhões de patacas. Uma segunda fase veria surgir um segundo hotel com 4 mil quartos, sendo o investimento calculado em 4,9 mil milhões de patacas.
A apresentação do projecto esteve a cargo do empresário Sio Tak Hong, durou menos de uma hora e foi “totalmente desastrosa”, nas palavras de Jorge Costa Oliveira, um dos dirigentes de Macau que integravam a comissão do concurso.
A imprensa da época não deixou de comentar esse facto: a exclusão do consórcio de uma segunda fase de consultas “ter-se-á devido, sobretudo, ao flop da sua apresentação inicial”, podia ler-se na edição de 25 de Janeiro de 2002 do jornal PONTO FINAL. “Donald Trump não veio a Macau nem se fez representar e Sio Tak Hong, um dos sócios da Nam Van, aparentemente nem sabia que o encontro se destinava à exposição dos planos da concorrente”, explicava a notícia.
Em declarações prestadas então a este jornal, Jorge Costa Oliveira, que viria depois a assumir o cargo de secretário de Estado da Internacionalização no governo português, aprofundava as razões da exclusão do consórcio:
“Os membros da Comissão do Concurso ficaram com a sensação que o concorrente não sabia bem o que pretendia fazer, não havia calculado bem os custos da construção (aspecto pouco relevante face à evidente robustez financeira emprestada por alguns sócios), não conseguia garantir o timing nem, porventura, o local da construção. O hotel/resort integrado seria construído em terreno a aterrar na Baía de Nossa Senhora da Esperança e a concorrente apresentou um documento assinado pelo director da Direcção dos Serviços de Obras Públicas a autorizar o aterro, por permuta com o terreno da antiga Fábrica de Panchões na Taipa; mas os membros da Comissão do Concurso acharam que a polémica pública que inevitavelmente ocorreria quando se tornasse conhecida a intenção de aterrar a Baía de Nossa Senhora da Esperança (habitat de uma espécie de aves em vias de extinção) levaria a um adiamento do projecto e da consequente liberalização do jogo. Mais importante do que tudo o resto, em termos comparativos o projecto não parecia trazer grande mais-valia a Macau”.
O mau exemplo de Atlantic City
Embora não fizesse parte da proposta tal como foi submetida a concurso, o consórcio a que Donald Trump esteve ligado deixou uma promessa durante a apresentação do projecto do “maior hotel do mundo”, quando concluídos os seus 6 mil quartos: “É lá que passará a ser organizado o concurso Miss Universo, até aqui baseado em Atlantic City”, lia-se num outro artigo do jornal PONTO FINAL sobre o mesmo tema. Ou seja, para além de dispensar a sua experiência na área do jogo, Trump avançava também com um trunfo, de última hora, na área do entretenimento, prometendo transferir para Macau a organização do concurso Miss Universo.
Segundo o Las Vegas Review-journal, citado também na altura pelo PONTO FINAL, “Donald Trump estava convencido de que o seu nome bastaria para conseguir uma das concessões em Macau, e ao ver que isso não era verdade apressou-se a mostrar à comissão do concurso, por interpostos intermediários, tudo quanto já construiu em Atlantic City – na esperança, naturalmente, de que isso bastasse para o colocar entre os vencedores”.
Mas não bastou – e terá sido até contraproducente.
Em finais de 2001, os dirigentes de Macau ligados ao processo da liberalização do jogo estavam já convictos de que o exemplo a seguir seria o de Las Vegas, e nunca o de Atlantic City. A falência do modelo da capital do jogo na costa leste tinha ficado bem patente, por omissão, numa viagem oficial de uma comitiva do governo de Macau aos Estados Unidos, meses antes, como à época recordava novamente Jorge Costa Oliveira: “Uma delegação de alto nível da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), composta por 4 representantes do Executivo e por 4 deputados à Assembleia Legislativa, deslocou-se aos EUA em Maio de 2001. A agenda foi determinada pelo governo americano, que designou como oficial de ligação um jovem [diplomata?] que nunca deu a entender que falava fluentemente português.
“Não obstante o chefe da delegação de Macau, que era eu, haver solicitado expressamente que a visita incluísse uma deslocação a Atlantic City, o governo dos EUA recusou. Tanto quanto me recordo o fundamento para a recusa foi que já tinham sido feitos preparativos para as reuniões agendadas de acordo com o programa por eles feito e que tal alteração poria em causa as mesmas. A percepção com que fiquei – e julgo que o mesmo foi sentido pelos outros membros da delegação – foi que o governo do EUA não tinha interesse em que a delegação de Macau visse o estado de degradação em que já então estavam os hotéis/resorts em Atlantic City.
A visita acabou por incluir apenas Washington DC, Las Vegas e uma povoação próxima de São Francisco, na Califórnia, onde estava em estudo a abertura de casinos numa reserva índia. Por iniciativa do próprio governo americano, Atlantic City, o centro do império de Donald Trump, ficou à margem desta viagem crucial para a evolução do processo de liberalização do jogo em Macau.
Meses mais tarde, quando jornalistas locais procuravam indagar as hipóteses de Donald Trump se tornar um dos reis do jogo em Macau, a resposta que recebiam de responsáveis da RAEM, ao mais alto nível, era invariavelmente esta: “Ele é bem conhecido por nós, mas não percebe nada de jogo”.
Erro de avaliação?
O amadorismo da apresentação da proposta, a ausência de vantagens comparativas face aos projectos de outros concorrentes e a intenção do governo de Macau de pôr de parte o modelo de Atlantic City, levaram a Sociedade da Baía da Nossa Senhora da Esperança – e com ela Donald Trump – a ficar num modesto 10º lugar entre os 19 participantes admitidos ao concurso do jogo, a larga distância da metade superior da tabela. Os vencedores foram a Wynn Resorts, a Galaxy Casino, com gestão da Las Vegas Sands, e o anterior detentor do monopólio, a Sociedade de Jogos de Macau, liderada por Stanley Ho. Mais tarde, juntar-se-iam ao mercado a MGM e a Melco Crown, como subconcessionárias, estatuto também obtido pela Sands após a sua separação da Galaxy.
A derrota de Donald Trump neste processo terá começado, no entanto, por um erro de avaliação relativamente aos seus associados, dizem ao PONTO FINAL fontes ligadas ao sector em Macau.
Quando o consórcio foi formado, a empresária Nina Wang era uma figura muito controversa na região. Anos antes, tinha herdado uma fortuna colossal do marido que desapareceu sem deixar rasto, num caso que continua ainda hoje envolvido em mistério; embora o seu corpo nunca tenha sido encontrado, Teddy Wang foi declarado morto para efeitos legais em 1999. Nina Wang (nome de solteira, Kung Yu Sum) viria a falecer em 2007, dando origem também a um longo processo de investigação policial, para se apurar da legitimidade dos seus testamentos.
Joseph Lau Luen Hung ver-se-ia envolvido no escândalo de corrupção que condenou o antigo secretário para os Transportes e Obras Públicas do governo da RAEM, Ao Man Long, a 30 anos de prisão, em 2007. O empresário de Hong Kong foi julgado à revelia e considerado culpado por um tribunal de Macau da prática de subornos relacionados com a aquisição de terrenos próximos do aeroporto da RAEM. Condenado a 5 anos de prisão, será encarcerado se voltar a Macau.
Finalmente, Sio Tak Hong viu a permuta do terreno da antiga Fábrica de Panchões pela Baía da Nossa Senhora da Esperança ser posta em causa pelo Comissariado contra a Corrupção, que abriu para o efeito uma investigação. Por outro lado, o governo da RAEM cedeu a pressões de ambientalistas e acabou por não autorizar aterros na Baía da Nossa Senhora da Esperança. O local onde Donald Trump teria implantado o seu casino em Macau é, ainda hoje, uma zona pantanosa e destino sazonal de aves migratórias em vias de extinção.
https://pontofinalmacau.wordpress.com/2016/11/07/donald-trump-queria-trazer-o-concurso-miss-universo-para-macau/
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